PONDERAÇÕES NECESSÁRIAS SOBRE O ENSINO JURÍDICO
Gosto de dizer que o ensino, de uma forma geral, não pode ser concebido como um simples ato de assistir a uma aula, mas sim como um procedimento dialógico entre alunos e professores a partir do qual o aprendizado é elaborado e os questionamentos são estimulados. Quando se demanda a construção de um ensino crítico, nos cursos jurídicos, o objetivo central é instigar os alunos a pensarem o direito do início ao fim da graduação, evitando os reducionismos de conceitos técnicos, o uso de fórmulas mágicas e métodos prêt-à-porter aprendidos e invocados reiteradamente na graduação. A formação interdisciplinar do jurista, que conhece as leis e o sistema jurídico, detendo uma ampla cultura para além da esfera do direito, lamentavelmente tem sido relegada como uma tarefa complexa, destinada para poucos e restrita às mentes ávidas pelo conhecimento.
Em contraposição à atual realidade jurídica voltada para o ensino maçante embasado nos manuais cujos conteúdos são meros decorebas, as primeiras Faculdades de Direito, isto é, as Escolas de Direito do Recife e de São Paulo se notabilizaram pela formação de grandes expoentes do direito, a exemplo de Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Joaquim Nabuco, Tobias Barreto, para citar alguns, o que demonstra que essas escolas são guardadas no imaginário da coletividade jurídica como boas lembranças de tempos em que a formação do jurista e o aprendizado interdisciplinar eram valorizados.
O ato de aprendizado está mais à frente de um processo comunicativo no qual o emissor (sujeito ativo) do conteúdo a ser ensinado passa informações ao destinatário (sujeito passivo), porquanto o educador que forma um jurista tem de internalizar a ideia segundo a qual os alunos precisam ser instigados a pensar os fenômenos jurídicos, os significados dos diversos termos legais que muitas vezes são imprecisos e plurissignificativos, como, por exemplo: "função social da propriedade", "dignidade humana", "direitos humanos", "ordem pública", "prisão cautelar", "trânsito em julgado", dentre tantos outros conceitos específicos que não comportam um significado a priori, a despeito da existência da redação do texto da lei elaborada pelo legislador.
À medida que os jovens juristas não sejam tratados ou mesmo considerados bancos ou depósitos em que os docentes depositam as informações a serem processadas, memorizadas e reproduzidas nos distintos exames da vida, será possível a invenção de um novo paradigma de educação calcada no ensino crítico e dinâmico, lastreado pelo método socrático.
Sob essa ótica, concebe-se o educador como aquele que provoca o espanto, ou seja, aquele que é responsável por inquietar e despertar a curiosidade dos seus alunos, servindo de espelhos para estes e fazendo com que os mesmos busquem em outras áreas do conhecimento justificativas para as diversas questões jurídicas. O educador, desse ponto de vista, é alguém que estende a mão ao aluno, direcionando-o e orientando-o na longa caminhada acadêmica.
Além do mais, vale dizer, todo ensino, para que seja instrumentalizado e chegue ao receptor, demanda um método a fim de que o beneficiário saiba fazer o uso adequado e proveitoso desse instrumento. Em relação aos estudos iniciais de Direito Constitucional, por exemplo, sugere-se inaugurá-lo com a filosofia constitucional, a ciência política e a teoria do estado, adentrando posteriormente no âmbito da teoria da constituição.
A partir desse avanço, indispensável conhecer os princípios fundamentais estruturantes da República Federativa do Brasil, dispostos nos artigos 1º ao 4º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo em conta que esses princípios são as orientações a partir das quais os professores precisam conduzir os alunos na introdução ao estudo da dogmática do Direito Constitucional.
Como exemplo de apoio e de salvaguarda ao Estado Democrático de Direito, frisa-se o princípio da separação dos poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, o qual é o paradigma imprescindível para que ocorra a comunicação harmônica entre os poderes da União, considerados como independentes e harmônicos entre si. Entretanto, à luz do sistema de freios e contrapesos, é possível que um poder interfira no outro através de suas funções atípicas, impedindo, assim, desarmonias e condutas abusivas.
Com vistas a aperfeiçoar os conhecimentos constitucionais, sob as lentes críticas da filosofia do direito, recomenda-se a leitura da obra do jurista alemão Peter Häberle intitulada - Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição, na qual o autor expõe um método pluralista e procedimental de interpretação das normas constitucionais.
De um modo geral e simplificado, esse método é embasado em uma sociedade aberta de intérpretes da constituição, isto é, todos nós somos exegetas e formamos uma pluralidade de interpretações da constituição, a qual será o resultado das interpretações dos atores sócio-políticos que influenciam direta e indiretamente a produção das leis constitucionais e infraconstitucionais.
Como há uma pluralidade de intérpretes da constituição haverá também entendimentos diversos acerca da matéria constitucional, visto que não há uma fórmula única para a melhor interpretação, tampouco um método pronto, único e acabado para a interpretação das normas constitucionais. Por isso, Dworkin já esclarecia: “Nenhum algoritmo pode decidir se determinada interpretação ajusta-se satisfatoriamente a uma situação".
Em linhas gerais, cita-se a proposta do paradigma do ensino crítico e filosófico do Direito Constitucional defendida e executada com maestria pelo professor Lenio Streck, posto que este doutrinador concebe o Direito para além da letra fria da lei, dialogando-o com outros campos do conhecimento.
Conforme Lenio Streck: “Direito é reflexão e não mera estratégia e cálculo estatístico”. "A civilização especializou o Homem, tornando-o hermético e satisfeito dentro da própria limitação", afirmava Ortega y Gasset. Resta saber como especializar-se sem ser um especialista, mas sim um generalista.