A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM FACE DE AGENTES POLÍTICOS
Em um caso hipotético, um determinado Senador da República foi nomeado pelo Presidente da República ao cargo comissionado de Ministro de Estado de Transportes. Contudo, após o regular procedimento de licitação, constatou-se que o mencionado Senador violou as normas jurídicas (regras e princípios) que regem a Administração Pública, além de ter agido deliberadamente no sentido de favorecer uma certa empresa no processo licitatório. Nesse contexto, o MPF ajuizou ação de improbidade administrativa em face do Senador na Vara Federal de Brasília – DF, demandando que o mesmo recebesse as devidas penalidades de acordo com a Lei 8429/1992. Porém, o dito Senador alegou a incompetência do foro, conforme o artigo 102, I, c, da CF/88, afirmando que por ser Ministro de Estado em pleno exercício do cargo deveria ser julgado no STF. O referido Ministro contestou as sanções advindas da lei de improbidade sob o pretexto de que como é Ministro de Estado estaria sujeito às sanções da lei de crime de responsabilidade. A dúvida que persiste é: teria o Ministro, Senador, o direito de alegar o foro especial por prerrogativa de função na ação de improbidade administrativa? O Ministro, Senador, deve ser julgado no STF?
De acordo com a jurisprudência do STF, não é possível a alegação de foro privilegiado em ação de improbidade administrativa proposta em face de agente político. Percebe-se, diante do exposto, um conflito entre o foro privilegiado do Senador e a ação de improbidade administrativa contra este agente político o qual afrontou o princípio da probidade administrativa e os princípios expressos da administração pública constantes do artigo 37, caput, da CRFB/88. Nesse sentido, os princípios são os alicerces indispensáveis de um sistema de normas, razão pela qual seus comandos genéricos e abstratos se aplicam ao caso hipotético em exame, não podendo haver a violação de um princípio de interesse público da administração pública para a satisfação parcial de um ente privado. Logo, a probidade administrativa foi transgredida pelo Senador em razão deste ter agido dolosamente para o favorecimento da empresa que logrou êxito no processo licitatório. Agentes políticos, como Ministros de Estado, devem pautar suas condutas no princípio da probidade administrativa decorrente da conjugação dos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativas.
O foro competente para o ajuizamento de ação de improbidade administrativa contra o Ministro de Estado, no caso em tela, deve ser o juízo de 1ª instância, tendo em vista que agentes políticos (Senador da República) com foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade não terão esse foro estendido às ações de improbidade administrativa, segundo as jurisprudências do STF e do STJ:
Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade. O foro especial por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal em relação às infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade administrativa (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Info 901, 2018).
Para o STJ, a ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Info 527, 2013).
Sendo assim, a competência para o julgamento da ação de improbidade administrativa, no caso em questão, é da Justiça Comum (Federal se houver interesse da União, autarquias ou empresas públicas federais, do contrário será competente a Estadual), uma vez que a ação de improbidade administrativa tem natureza jurídica extrapenal ou de caráter civil, conceituada por alguns autores como ação civil de improbidade administrativa. São exigidos alguns elementos jurídicos para a instauração da ação civil de improbidade, a saber: a existência de conduta contrária e transgressora do princípio da probidade administrativa, proveniente de uma ação ou omissão que caracterize a prática das condutas estabelecidas na Lei 8.429/1992 (artigos 9º a 11), sujeitas às penalidades do artigo 12 da mesma LIA; a prática de ato ímprobo responsável por enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentatório aos princípios expressos e implícitos da Administração Pública; e, por fim, exige-se do sujeito ativo a conduta dolosa, isto é, o Senador, agente político, agiu com livre e espontânea vontade para favorecer a empreiteira no processo licitatório, portanto, ofendeu a probidade administrativa, devendo responder pela ação de improbidade administrativa a qual deverá ser julgada pelo juízo de 1º grau da Justiça Comum.
Importante ressaltar o julgamento da ADI 2797 pelo STF o qual julgou inconstitucional o §2º do artigo 84 do CPP, porque o referido parágrafo deste artigo permitia que o foro por prerrogativa de função fosse utilizado até mesmo nas ações de improbidade administrativa, isto é, a lei 10.628/02, ao acrescentar o §2º no artigo 84 do CPP, autorizava que agentes políticos (Senadores, Ministros) utilizassem seus foros privilegiados não só em crimes comuns penais e crimes de responsabilidade como também nas ações de improbidade administrativa, razões pelas quais o mencionado parágrafo foi declarado inconstitucional acertadamente, já que em um Estado Democrático de Direito é essencial o cumprimento das normas jurídicas (regras e princípios), sustentáculos da República Federativa do Brasil a qual não admite improbidades, imoralidades tampouco criação de privilégios especiais salvo os permitidos em lei.
Em relação à legitimidade do MPE para a propositura de ação civil pública com o intuito de ajuizar ação de improbidade administrativa contra o Senador, é relevante dizer que o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público e dos interesses difusos e coletivos, segundo a súmula 329 do STJ e a Lei 7.347/85, apesar da inexistência da legitimidade do Ministério Público Estadual para discutir direitos e interesses inclusos nas competências do Ministério Público Federal. Logo, como já houve a propositura da ação civil de improbidade administrativa pelo MPF, o MPE poderá atuar nessa lide como fiscal da lei (custos legis), consoante os artigos 127 e 129 da CRFB/88.
Em suma, adota-se a corrente doutrinária a qual advoga a tese da concomitância das ações de improbidade administrativa previstas na Lei 8.429/92 com as ações responsáveis por apurar crimes comuns e crimes de responsabilidade ou infrações político-administrativas presentes na Lei 1.079/50, na medida em que o STJ já entendeu que os agentes políticos estão subordinados às ações de improbidade administrativa, podendo os mesmos responder pelos crimes de responsabilidade e improbidade que incorrerem. Reforça-se, por último, a possibilidade de Ministro de Estado com foro privilegiado ser julgado no juízo de 1º grau pela prática de improbidade administrativa e ser responsabilizado também por crimes de responsabilidade que outrora cometera, recebendo punições tanto da lei 8.429/92 quanto da lei 1.079/50, sem que suceda a concretização do bis in idem.