DO DIREITO À VIDA AO DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA: COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Imagine-se lendo um romance no qual um jovem de 17 anos, a três meses de completar 18, chamado Adam Henry, precisa urgentemente de uma transfusão de sangue a fim de combater uma leucemia. Contudo, sem hesitação, Adam e seus pais recusam o procedimento de transfusão, sob o argumento de que a sua religião não permite o recebimento de sangue de terceiro. Ocorre que não há métodos terapêuticos alternativos que eliminem a doença, a qual tem se agravado permanentemente. Nesse período, Adam Henry ainda não tinha atingido a maioridade, porém ele afirmava que já possuía convicções, responsabilidades e maturidade para decidir sobre a sua vida e as escolhas que tomaria na construção do seu caminho.
A partir desse cenário, a primeira lição que pode ser retirada da obra de Ian McEwan é que os dois direitos fundamentais inalienáveis, indisponíveis e invioláveis que se chocam precisam ser ponderados, visto que se mostra indispensável a discussão acerca da questão de qual direito fundamental deve prevalecer no caso, isto é, o direito à vida ou o direito à liberdade religiosa, uma vez que os direitos fundamentais não são absolutos e não há hierarquia entre direitos fundamentais, de modo que o conflito entre esses direitos será resolvido pelo princípio da proporcionalidade atrelado à técnica da ponderação segundo Robert Alexy.
Ao ler o livro, concebe-se que Adam Henry e sua família são testemunhas de Jeová e segundo esta religião não há possibilidade de receber sangue de outra pessoa, pois é imprescindível que a alma seja conservada, purificada e não contaminada pelo sangue de outrem, já que o sangue é essencialmente a vida para essa religião de caráter fundamentalista com a verdade. A segunda lição que pode ser vislumbrada é que não há direitos melhores do que outros, na medida em que os direitos fundamentais são relativos e não podem ser medidos por uma balança de pesos, de sorte que, nos hard cases como o de Adam, os princípios devem ser utilizados como diretrizes e standards para a resolução da colisão entre os direitos fundamentais.
Percebe-se o conflito entre os direitos fundamentais quando Adam Henry, representado pelo advogado John Tovey, litiga judicialmente com o hospital onde estava internado. Enquanto o hospital pleiteava o direito à vida do seu paciente, Adam demandava o reconhecimento do seu direito de não receber a transfusão de sangue, sob o pretexto de estar agindo de acordo com a sua liberdade religiosa e conforme os dogmas e os princípios da sua religião.
O hospital no qual Adam se encontrava internado, recebendo diversos tratamentos para sanar a leucemia e compensar a recusa da transfusão de sangue, solicitava um documento legal que autorizasse a concessão da transfusão de sangue e de derivados de sangue para o rapaz, pois este, segundo o hospital, não sobreviveria caso não recebesse a transfusão, haja vista o fracasso das outras medicações ministradas no tratamento e a queda do seu quadro clínico. Adam apresentava-se instável e vulnerável.
Chega um momento no qual entra em cena a personagem Fiona, juíza que já havia atravessado experiências dificílimas na sua vida profissional e enfrentado situações muito complexas, porém nada comparado com o caso de Adam, o qual foi um grande desafio e um riquíssimo aprendizado para a sua vida. Fiona, em comparação com a sua vida profissional bem-sucedida, tinha uma vida privada fracassada, visto que apresentava muita insatisfação por não ter tido nenhum filho.
Muito embora nunca tenha tido, Adam Henry foi o maior exemplo de filho que Fiona pôde ter na sua experiência profissional e com o qual aprendeu muitos valores e princípios, porquanto Adam se mostrava um jovem culto, sensato, inteligente e ao mesmo tempo ingênuo, que queria viver, no entanto vivia preso aos dogmas religiosos. A vida particular de Fiona, portanto, encontrava-se mergulhada em um caos em decorrência dos conflitos com o seu marido Jack, o qual já lhe havia contado a vontade de viver aventuras amorosas com uma jovem especialista em estatística.
As últimas lições que podem ser extraídas do livro são que o processo de prolação de uma decisão por um magistrado é uma tarefa muito complexa e estressante, posto que o juiz, ao sentenciar, estará se posicionando favorável à prevalência de um determinado direito fundamental em detrimento de outro, não conseguindo, pois, agradar a todas as partes processuais.
A juíza Fiona, por exemplo, tivera que proferir uma decisão condizente com o sistema normativo, com as leis e, sobretudo, com os princípios e valores morais que circundam o direito. Em suma, vale mencionar uma passagem marcante da obra, qual seja: a cena em que Fiona conversa com Adam no hospital, surpreendendo-se com ele, uma vez que ela notou a felicidade estampada no rosto do jovem e materializada ao tocar violino e ao escrever poesias.
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"Mas eu era jovem e tolo..." |