A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA
A partir de uma construção histórica no que concerne ao surgimento do direito comercial, a ampla maioria dos doutrinadores e estudiosos defende que seu início ocorreu na Idade Média, com a ascensão e a autonomia dos burgos ou cidades burguesas, que se tornaram fontes de legislações comerciais por intermédio da criação das corporações de ofício, a despeito de alguns pesquisadores indicarem que já existiam transações comerciais na Idade Antiga. Porém, ainda não havia a presença de codificações normativas comerciais que historicamente explicitaram-se na época medieval e, por conseguinte, na modernidade.
Durante o decorrer do tempo e a inevitável evolução do direito comercial, princípios fundamentais, por meio de dispositivos legais, foram sendo promulgados e outorgados com o objetivo de ampliar o alcance de tal ramo do direito. Dentre eles, encontra-se o principio da liberdade de iniciativa que, no Brasil, ganhou espaço originariamente na Constituição Imperial de 1824. Na Constituição Republicana de 1891, o teor liberal permaneceu inabalável. No entanto, a Constituição de 1934 foi a primeira a conter uma ordem econômica e social, disciplinando que tal liberdade deveria ser estruturada segundo os princípios da justiça e as necessidades do País. Na Constituição Federal de 1988, foi adotada a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica, mas que na verdade denota um princípio disposto no artigo 170 do Código Civil.
As corporações de ofício foram instituídas de forma embrionária mediante o sistema comercial que começara a desenvolver-se e alastrar-se em território europeu, de modo que a partir de então se constituía o direito comercial propriamente dito, afirmando um caráter subjetivo em sua estrutura, ou seja, restringindo o alcance de sua estrutura jurídica aos membros das próprias corporações, fazendo com o que o restante da população não tivesse acesso às vantagens referentes às decisões aplicadas com base no direito consuetudinário aplicado, contrapondo-se ao precário e falho direito positivado pelo Estado, envolto de lacunas das quais as corporações de mercantes tratavam de ocupar de acordo com seu direito costumeiro.
Com o transcorrer do tempo, perpassou-se por outras fases do direito comercial, leia-se Teoria dos Atos de Comercio e Teoria da Empresa, as quais se destacam como ensejadoras de um processo paulatinamente agregador no que concerne à ampliação da área de atuação do direito comercial e do direito empresarial, respectivamente, em meio à sociedade. Tais elucubrações desaguam numa abordagem cada vez mais liberal mediante o acesso à estrutura jurídica responsável por resguardar os direitos e deveres condizentes com a prática comercial. O Principio da Liberdade de Iniciativa se insere, justamente, no rol dos prenúncios explícitos e implícitos responsáveis por trazer à baila o caráter liberal das inserções contemporâneas da atividade comercial.
Avaliar e refletir sobre o direito empresarial atual, bem como sobre os princípios derivados de seu exercício, sem remeter às suas origens, ou seja, sem perpassar pela história do direito comercial, não traduz as nuances e peculiaridades de tal ramo do direito de forma ampla e plena. Através da historia do direito comercial é possível entender não só a evolução do comércio, mas também a evolução da humanidade propriamente dita, ao passo que se percebe desde o período neolítico, aproximadamente em 8.000 antes de Cristo, a necessidade que o ser humano possuía de, mediante a frustração de suas vontades, unir-se em prol de um bem comum. No caso, através do chamado comércio mútuo, que por meio do sistema de escambo, ou seja, pela troca de excedentes, veio a conciliar inclusive tribos primitivas inimigas que, possuindo deuses em comum, estabeleciam um ritual próprio sediado em local sagrado para a execução das trocas em determinadas épocas do ano. Os fenícios se notabilizaram como um dos maiores exemplos de povos praticantes da atividade comercial, levando a prosperidade para seu território, desenvolvendo inclusive o alfabeto nos moldes que conhecemos e utilizamos atualmente, visando tornar mais práticas as suas negociações, estabelecendo, assim, formas de registro mais elaboradas. Percebe-se, desse modo, a influência das práticas mercantis no dia-a-dia da sociedade atual.
Por conseguinte, houve um momento em que as trocas até então desprovidas do intuito de lucro e tendo por finalidade meramente a subsistência dos povos, começaram a ganhar um caráter habitual, ou seja, profissionalizaram-se. Dessa forma, a troca de necessidades era disseminada para além das fronteiras. O comércio passa a ser responsável pela circulação de produção e expansão da zona de consumo, propiciando também a aproximação dos indivíduos da sociedade, até então extremamente reservados, dando-lhes maior tranquilidade em relação ao futuro, ao passo que possuíam a possibilidade de acumular mais do que necessitavam. Com o passar do tempo, o comércio se desenvolveu a tal ponto que normas precisaram ser criadas para regular a sua prática. Surge então o direito comercial com a finalidade de organizar um ramo que germinava com grandes perspectivas, sendo requisitado de forma mais assídua na Idade Média, mais especialmente na Itália, através da atuação da burguesia, responsável por impulsionar as práticas comerciais.
A mudança citada ganha dimensões ainda maiores a partir da Era Napoleônica, na França, através da criação do Código Comercial, que adota a Teoria dos Atos de Comércio, fazendo com o que o direito comercial passasse a abranger não somente a atividade dos comerciantes, mas todas as práticas dos indivíduos que possuíssem o teor comercial estabelecido pelas premissas do Código Napoleônico. As falhas do Código Napoleônico, porém, ficaram evidenciadas com o passar do tempo, ao passo que os atos de comércio indicados pelo dispositivo francês derivavam de critérios tendenciosos, favorecendo atividades que, necessariamente, trouxessem algum tipo de benefício ao Estado. A necessidade de uma nova mudança foi percebida por diversos pensadores, dentre eles o brasileiro Teixeira de Freitas.
Porém, apenas com Cesare Vivante, na Itália, anos depois, o ideal de unificação do direito comercial ao direito civil foi defendido sob a ótica dos europeus, como forma de expandir a atuação do direito comercial, ao passo que, a partir de então, não mais se faria distinção entre tais ramos do direito privado, além de, em meio ao processo jurídico, proporcionar uma agilidade maior às litigâncias que antes da unificação perdiam um tempo considerável mediante o exercício responsável por indicar a competência para o caso em questão.
A unificação, contudo, fora combatida veementemente por outro jurista italiano chamado Alfredo Rocco, responsável por indicar que os ramos do direito em questão jamais poderiam ser unificados, visto que a ética empresarial difere da ética civil. Sendo assim, seus respectivos conteúdos de maneira alguma poderiam ser fundidos, embora não descartasse a possiblidade de o direito civil servir como pano de fundo para as lacunas do direito empresarial. Anos mais tarde, foi promulgado pelo partido fascista italiano o novo código civil do país, que colocara em prática a Teoria da Empresa, com base nos preceitos defendidos por Vivante, posto que, embora o jurista já houvesse voltado atrás em sua teoria ao ser confrontado por Rocco, seu pensamento serviria de modo cirúrgico para a execução dos planos políticos pretendidos pelo ditador italiano Mussolini.
Posteriormente, com a criação do código civil italiano e a adoção da teoria da empresa, os tribunais nacionais foram, de forma gradativa, se inclinando às diretrizes de tal teoria, visto que esta possuía premissas mais condizentes com a realidade de sua época. Antes mesmo da positivação da teoria da empresa, em meio ao corpo legislativo nacional, através do código civil brasileiro, alguns indícios de adoção da teoria elaborada por Vivante já eram apresentados, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Registro de Empresas.
Mediante o exposto, é válido afirmar que, ao longo da historia, o direito comercial adotou variadas teorias que foram elaboradas e executadas. Embora umas possuíssem mais adeptos que outras, não se mostra sensato estabelecer qual desempenhou melhor a função a que se propusera, visto que, cada qual, a seu tempo, buscou lidar com as necessidades apresentadas em meio ao contexto ao qual estavam inseridas. O direito comercial não se desenvolveu, ele apenas evoluiu. O estágio em que nos deparamos atualmente não necessariamente é melhor do que o de outros tempos. A evolução precisa continuar, ao passo que muitas falhas ainda são encontradas nos dispositivos legislativos que regulam as práticas comerciais hoje em dia.
Ademais, salienta-se que, desde os tempos mais primevos, já existiam modos de produção e organização sociais, isto é, antes mesmo da invenção da escrita e de registros históricos os homens se relacionavam e se agrupavam em tribos ou clãs a fim de dividirem os trabalhos de produção dos bens de que precisavam para a subsistência, prevalecendo, nesse âmbito familiar e tribal, a “lei do mais forte” cujo poder e soberania era capaz de ditar não só a produção e divisão das associações sociais como também as leis e costumes da sua prole, evidenciando-se, desse modo, o início do exercício da liberdade de iniciativa através desses primeiros povos.
O embrião do Estado vai se desenvolvendo, nesse contexto, a fim de suprimir os conflitos existentes entre essas classes, embora já houvesse querelas desde o sistema escravagista e feudalista nos quais prevalecia a coisificação do ser humano (redução do indivíduo a um objeto) em detrimento da sua dignidade humana. O princípio da liberdade de iniciativa atrelado ao sistema capitalista e sendo seu elemento essencial para que o capitalismo funcione com eficiência foi contextualizado e alocado historicamente desde os tempos mais primitivos até os dias hodiernos nos quais a atividade econômica do empresário, isto é, a empresa, é resultado da livre iniciativa do empresário que tem como objetivo maior da sua atividade o intuito de lucro. No entanto, para que isso se concretize é evidente que o empresário correrá riscos no empreendimento das suas funções empresariais.
Ademais, o princípio da liberdade de concorrência coaduna-se ao da liberdade de iniciativa a fim de que a eficiência do sistema capitalista possa ser resguardada através da garantia do fornecimento de produtos ou serviços, ao mercado, com a intenção de uma produção de qualidade crescente com preços descrentes. Em uma economia de livre mercado é preciso que o princípio da liberdade de concorrência que está explícito na constituição federal brasileira no seu artigo 170, inciso IV, seja garantido e posto em prática, já que a competitividade no sistema econômico capitalista é primordial para o aquecimento da economia no que concerne à potencialização dos volumes de vendas dos produtos veiculados ao mercado com baixos preços, a fim de que o empresário obtenha mais lucros e ocorra o estímulo da competitividade, a qual fará com que os empresários se empenhem na elaboração de produtos ou serviços de qualidade, e, portanto, possam se compatibilizar com os interesses metaindividuais da sociedade, evitando concorrências desleais, ilícitas e arbitrárias.
Em suma, os empresários que tomarem decisões empresariais acertadas serão premiados com os seus respectivos lucros. Porém, em contrapartida, os empresários que adotarem decisões equivocadas serão penalizados nos negócios que assumirem, não havendo, portanto, estratégia perfeita para atingir o lucro, uma vez que em razão dos riscos serem inerentes à atividade empresarial, o mais comum é que tanto ganhem como percam. Ressalta-se que os consumidores, por terem acesso aos mais variados produtos e serviços de maior e melhor qualidade, ofertados ao mercado com preços descrentes, estarão usufruindo da máxima do sistema econômico capitalista no qual há a liberdade de mercado atrelada à liberdade de concorrência, possibilitando, portanto, que a economia seja aquecida e os consumidores tenham acesso aos mais diversificados produtos.