IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA POR MEIO DA REVISÃO CRIMINAL
Em um Estado Democrático de Direito, a supremacia constitucional não só é indispensável à garantia da sua força normativa como também à irradiação das normas jurídicas constitucionais por todo o ordenamento jurídico nacional. Nesse sentido, suponhamos que houve a prolação de uma sentença penal condenatória por meio da qual foi decretado o início do cumprimento da pena de um hipotético apenado. O pressuposto legal para o ajuizamento da revisão criminal é a existência de uma sentença penal condenatória transitada em julgado da qual não comporta nenhum recurso cabível, uma vez que a revisão criminal tem o condão de ser invocada em favor do sentenciado mesmo havendo a formação de coisa julgada material.
Seguindo as doutrinas de Nestor Távora e Eugênio Pacelli, a revisão criminal é uma ação autônoma de impugnação manejada em face de decisão penal condenatória, ou contra sentença absolutória imprópria, transitada em julgado, podendo ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após, segundo dispõe o artigo 622, caput e parágrafo único, do CPP. Dessa forma, vamos imaginar que, após a sentença penal condenatória, foi descoberta uma causa especial de diminuição de pena, disposta no artigo 16 do CP, isto é, o arrependimento posterior do agente. Em outras palavras, o apenado se arrependeu posteriormente pela prática do crime de furto e, então, decidiu restituir integralmente a coisa por ato voluntário, antes do recebimento da denúncia acusatória, devolvendo um dado veículo automotor que subtraíra.
Os casos de cabimento da revisão criminal obedecem ao rol taxativo disposto no artigo 621 do CPP. Logo, no exemplo do apenado outrora mencionado, para que seja possível o manejo da revisão criminal é indispensável vislumbrar um erro na prolação da sentença penal condenatória, a exemplo da incidência do inciso I do artigo 621, uma vez que, nesta hipótese, a sentença penal condenatória foi equivocada em face do texto expresso da lei penal no que tange a não aplicação da causa especial de diminuição da pena (arrependimento posterior), apresentando falhas inclusive quanto à imposição da qualificadora (§5º do artigo 155 do CP) no crime de furto, o qual foi confessado pela apenado, cometendo deslizes, por fim, em relação à decretação do regime inicial fechado de cumprimento de pena cujo patamar legal deveria ter sido fixado, segundo o artigo 155, caput do CP, em torno de 1 a 4 anos. Em se tratando de erro jurídico, “error in judicando”, conforme as lições do doutrinador Eugênio Pacelli, da decisão condenatória transitada em julgado, comprovado o equívoco ou mesmo a injustiça da decisão, o apenado poderá lançar mão da ação autônoma de impugnação, revisão criminal, a fim de provocar o reexame da decisão processual impugnada e, consequentemente, a redução ou modificação da pena imposta pela sentença penal condenatória.
A alegação de contrariedade ao texto na hipótese de equivocada dosimetria da pena e na incorreta classificação do tipo penal ao fato imputado que foi reconhecido na decisão, dará ensejo ao autor da ação de revisão criminal, apenado no processo de execução, a possibilidade de reexame da decisão judicial de primeiro grau, excepcionando a formação da coisa julgada material. A incidência do inciso III do artigo 621 do CPP é visualizada, no caso em tela, em decorrência da existência de provas novas as quais não foram apreciadas na decisão jurídica anterior de primeira instância, a exemplo do arrependimento posterior do agente apenado o qual, por ato voluntário, restituiu integralmente a res furtiva.
Em decorrência da natureza jurídica da revisão criminal de ação autônoma de impugnação através da qual uma nova relação jurídica processual é gerada, diferentemente dos recursos os quais não geram nova relação jurídica processual, o próprio tribunal prolator da decisão revindenda possui competência para a referida ação de revisão. Ocorrendo a procedência da revisão, o réu será absolvido ou então alterar-se-á a classificação da infração penal da qual foi imputado. Consoante a doutrina de Eugênio Pacelli, o tribunal pode exercer dois tipos distintos de juízo no julgamento da revisão criminal, a saber: o iudicium rescindens e o iudicium rescissorium. No primeiro, caso seja julgado procedente o pedido de revisão, o efeito subsequente a essa causa se daria com a desconstituição da decisão anterior. Já no segundo, o tribunal passaria a atuar como iudicium rescissorium, julgando novamente a matéria, para o intuito de absolver ou modificar a pena, considerando a causa de diminuição especial da pena com ou sem desclassificação jurídica do fato e, por fim, o tribunal poderia anular o processo desde que a autora da revisão criminal conseguisse provar a nulidade absoluta, que lhe pudesse favorecer, havida no processo.
O órgão jurisdicional competente para julgar a referida medida jurídica é o órgão prolator da sentença penal condenatória, posto que a competência para o julgamento da revisão criminal é do próprio tribunal que proferiu a última decisão naquele processo. No entanto, a referida revisão criminal será julgada por outro órgão desse tribunal, a fim de resguardar os direitos e garantias processuais da apenada, a exemplo do contraditório, da ampla defesa, do juiz imparcial e do juízo natural.
Por derradeiro, vale ilustrar os ensinamentos doutrinários de Nucci, o qual, no seu código de processo penal comentado (p.967, 2016), esclarece o objetivo da revisão criminal, ao citar um julgado do TJSP, qual seja: “A revisão criminal é ação autônoma, que visa desconstituir os efeitos da coisa julgada nas hipóteses previstas no art. 621 do Código de Processo Penal, não podendo ser utilizada como segundo "apelo‟ ou "terceira instância‟ de julgamento” (0140952-78.2013.8.26.0000, Tremembé, 2.º Grupo de Direito Criminal, Rel. Cesar Mecchi Morales, 26.05.2015, v.u.).